Tortura, mortes, censura. Chegam
os anos 80: após um árduo período sofrendo a Ditadura Militar, o Brasil consegue
respirar novamente. Mas tais anos calados, sufocados, haveriam de deixar
marcas. Na memória, na consciência, na História do Brasil. O que se passara nos
porões militares, nas ruas, nas mentes, precisava ser mostrado, dito, gritado. O
cinema foi – e é – um dos principais meios (e fins!) utilizados para retratar
tal época. Porém, um período tão complexo, tão silencioso, e tão importante, não
poderia deixar de gerar visões com tantas diferentes facetas. A História da
Ditadura não é uma, nem duas, nem três: são várias. Tal como são suas
representações fílmicas. E grande parte delas viveu ali, em fitas e depois
DVDs, colecionadas no armário da sala, prontas para que alguém mergulhasse
nelas. E aqui vou eu.
1982:
Roberto Farias lança “Pra frente Brasil”. No roteiro, dentre outras coisas: tortura,
participação americana no treinamento de militares brasileiros, financiamento
feito por civis (empresários brasileiros), da “caça” aos subversivos: assuntos
que eram, absolutamente, tabus. O filme foi censurado, depois cortado. Só em
1983 foi exibido inteiramente. Na produção, um homem comum, Jofre, é preso por
engano em 1970, ao pegar um taxi com um “subversivo” procurado pela polícia. O
enredo é visto sob a ótica da família de Jofre, que sofre procurando-o,
primeiramente por vias formais (de acordo com o filme, a sociedade não fazia a
mínima ideia do que se passava graças à censura) e, depois, pela ilegalidade.
Jofre é torturado, exigiam que ele contasse o que sabia. Tais cenas da tortura
são intercaladas com cenas da Copa do Mundo de 1970 no México, e, no ápice do
filme, a morte de Jofre, a Seleção Brasileira comemora o tricampeonato. É
retratada uma vitimização da população brasileira, que não sabia de nada e
ficava ao meio da perversidade dos militares e da irresponsabilidade dos
militantes: o herói do filme é um homem comum.
Em
1981, é lançado “Eles não Usam Black Tié”, filme de Leon Hirszman. Já essa
produção não trata da ditadura diretamente, e não volta alguns anos no tempo,
para aqueles piores (na década de 70), mas é sobre seu próprio período, quando
se iniciava a abertura política. Na trama, numa cidade pobre onde a maioria das
pessoas trabalhava em uma fábrica, uma greve é organizada. O filme mostra,
sim, a repressão militar batendo e contendo a greve nas ruas. Porém, o ponto mais
intrigante é a indecisão de um jovem, de 20 e poucos anos, que ficava entre a
greve, tomada de frente por seu pai, e a gravidez de sua namorada, a
qual ele pensava que devia sustentar e cuidar. Uma cena do filme sintetiza, ao
meu ver, uma questão importantíssima apresentada por tal produção: o pai do jovem, quando este último
fica amedrontado em participar do movimento sindical, diz que o entende, entende seu medo, seu receio, pois
ele havia crescido na Ditadura.
Desta fala e de outras é que pude refletir: as
marcas da Ditadura podem ter sido muito mais internas e subjetivas do que já se
pôde imaginar.
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