Alguns passos para trás…
Após a abordagem da barbárie noticiosa que foi o caso
Escola Base, permito-me a explicar e conceituar esse episódio. A leitura da
primeira postagem é indispensável para compreender como a ação da mídia se deu
de forma imprudente, antes mesmo que houvesse um caso consolidado.
No ano de 1994, durante o período da Semana Santa, quatro pessoas – Icushiro e Aparecida Shimada, Maurício e Paula Alvarenga – foram acusadas de abusar sexualmente de alunos da Escola Base (que, na época, tinham por volta de 4 anos). As acusações vieram por parte das mães de dois alunos, Lúcia Eiko Tanoue e Cléa Parente de Carvalho, que se desesperaram e, além de prestarem queixa na delegacia, logo chamaram a atenção da mídia. Durante toda a investigação, as duas mães concederam entrevistas que difamavam abertamente os principais acusados do crime. Além disso, permitiram que seus filhos – ressalto, de apenas quatro anos – fossem interrogados sem a presença de um psicólogo ou de uma entidade responsável pela proteção infantil. A precipitação e os atos desesperados das mães, dos dois delegados responsáveis pelo caso – Edélson Lemos e Jorge Carrasco - , além de toda a ação prepotente e impensada da imprensa, culminaram na acusação precipitada dos quatro acusados. O desfecho da história (o qual será apresentado com mais detalhes na próxima postagem) evidenciou a ausência de provas dos envolvidos e, diante disso, a sua inocência perante a lei.
Voltando ao ponto em que paramos na última postagem...
Icushiro Shimada para Antônio Carlos (repórter do "Diário Popular) sobre cobertura realizada pela imprensa.*
Relato de Antônio Carlos sobre conversa entre ele e o editor policial Paulo Breitenvieser*
*(Ambas as citações foram extraídas do livro Caso Escola Base. Os abusos da Imprensa. De Alex Ribeiro. p. 36)
Como proposto em meu Plano, essa segunda postagem visa analisar e comentar a ação do jornal “Diário Popular” na cobertura do caso Escola Base. O jornal, na época sendo dirigido por Miranda Jordão, foi o pioneiro na descoberta da notícia. Antes mesmo que qualquer outro canal de comunicação pudesse desconfiar, o jornalista Antônio Carlos Silveira dos Santos já havia feito uma visita à escola e conversado com os acusados. De posse das informações e entrevistas que havia coletado, o jornal optou por não fazer nenhuma matéria sensacionalista sobre o caso. Ao invés disso, apenas publicou uma matéria de teor técnico e burocrático sobre a acusação que havia sido feita na delegacia.
Ao contrário da postura tomada pelos outros meios, a equipe do
jornal “Diário Popular” encarregada do caso – Antônio Carlos, Miranda Jordão e
o editor de polícia Paulo Breitenvieser – enxergou as falhas existentes no inquérito.
Primeiramente, ao mesmo tempo em que afirmava possuir fitas e fotos que
incriminavam os suspeitos, o delegado Édelson alegava que não as compartilharia,
pois tinha receio de que tal fato pudesse atrapalhar as investigações. Além disso,
o jornal descreditava os depoimentos infantis recolhidos sem a presença de um
psicólogo – cujas respostas, até, então, poderiam ter sido induzidas. Por fim,
na época em que a notícia chegou aos
ouvidos da mídia, ainda não estava concluído o laudo do exame realizado pelo
IML.
Munido por essas três premissas, o “Diário Popular”
optou por não fazer parte do sensacionalismo prepotente e impulsivo da
imprensa. Durante toda a investigação – até mesmo quando a maioria dos canais
da mídia acreditavam na culpa dos acusados – o jornal permaneceu neutro e não
publicou nenhuma palavra sobre o ocorrido. Devido a esse silêncio diante de
toda a barbárie noticiosa, o Diário chegou a ser acusado de ter feito um acordo
com os donos da Escola para manter a discrição e o silêncio. Naquele ano, o
Jornal foi indicado ao Prêmio Esso de Jornalismo, por sua atuação ética e
imparcial, embora não tenha ganhado.
Conversa entre Antônio Carlos e Paulo Breitenvieser sobre publicar ou não uma matéria acerca do caso Escola Base.(P.36)
Hoje, o Jornal “Diário Popular” não existe mais. O domínio
foi vendido para as organizações Globo e recebeu o nome de “Diário de São Paulo”.
O que fica para além desse relato é uma profunda reflexão sobre o papel da
mídia da cobertura de crimes (Tema do projeto). Diante disso, uma dúvida ainda
perpetua por algumas mentes: Se um canal midiático foi capaz de se abster de
toda a busca pela fama e audiência em prol do jornalismo ético e verdadeiro – e
possuía as mesmas condições e circunstâncias dos outros meios – por que ele foi
o único?
- Para ajudar na reflexão, segue um link de uma
entrevista coletiva - realizada 15 anos
após a explosão das notícias - do jornalista Valmir Salaro, repórter da Tv
Globo, e, responsável pela cobertura do caso Escola Base:
“(...) Tem
uma relação esquizofrênica na redação. Um avião cai: um repórter vira
especialista, o outro vira promotor. Impressionante. Tem um crime: o cara vira
especialista; perito em sangue. (...) É uma arrogância, uma prepotência, uma
ignorância e eu sinto isso dentro das redações (...).”
Valmir Salaro, sobre caso “Escola Base”
Para a produção dessa postagem foi utilizado, além da bibliografia declarada no Plano, o conteúdo do blog:
http://salinopolitano.blogspot.com.br/2012/01/injustica-brasileira-caso-escola-base.html
Nessa postagem, ultrapassei um pouco o número de caracteres permitidos, pois resolvi acatar as sugestões feitas na primeira postagem e, então, apresentar o caso para o leitor.
ResponderExcluirLegal, Marina. Interessante o caso para pensar o próprio lugar do jornalismo e problematizar conceitos como parcialidade e imparcialidade.
ResponderExcluirMuito interessante mesmo a reflexão! Estou fazendo um artigo pra faculdade sobre ética em jornalismo e vou utilizar exatamente esse caso para falar sobre. Adorei a postagem! ;)
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