segunda-feira, 14 de maio de 2012

Diário Popular: Quando a ética jornalística não falha [Marina Dayrell] #2.


Alguns passos para trás…


Após a abordagem da barbárie noticiosa que foi o caso Escola Base, permito-me a explicar e conceituar esse episódio. A leitura da primeira postagem é indispensável para compreender como a ação da mídia se deu de forma imprudente, antes mesmo que houvesse um caso consolidado.



No ano de 1994, durante o período da Semana Santa, quatro pessoas – Icushiro e Aparecida Shimada, Maurício e Paula Alvarenga – foram acusadas de abusar sexualmente de alunos da Escola Base (que, na época, tinham por volta de 4 anos). As acusações vieram por parte das mães de dois alunos, Lúcia Eiko Tanoue e Cléa Parente de Carvalho, que se desesperaram e, além de prestarem queixa na delegacia, logo chamaram a atenção da mídia. Durante toda a investigação, as duas mães concederam entrevistas que difamavam abertamente os principais acusados do crime. Além disso, permitiram que seus filhos – ressalto, de apenas quatro anos – fossem interrogados sem a presença de um psicólogo ou de uma entidade responsável pela proteção infantil. A precipitação e os atos desesperados das mães, dos dois delegados responsáveis pelo caso – Edélson Lemos e Jorge Carrasco - , além de toda a ação prepotente e impensada da imprensa, culminaram na acusação precipitada dos quatro acusados. O desfecho da história (o qual será apresentado com mais detalhes na próxima postagem) evidenciou a ausência de provas dos envolvidos e, diante disso, a sua inocência perante a lei. 


Voltando ao ponto em que paramos na última postagem...



Icushiro Shimada para Antônio Carlos (repórter do "Diário Popular) sobre cobertura realizada pela imprensa.*



Relato de Antônio Carlos sobre conversa entre ele e o editor policial Paulo Breitenvieser*

*(Ambas as citações foram extraídas do livro  Caso Escola Base. Os abusos da Imprensa. De Alex Ribeiro. p. 36)



Como proposto em meu Plano, essa segunda postagem visa analisar e comentar a ação do jornal “Diário Popular” na cobertura do caso Escola Base. O jornal, na época sendo dirigido por Miranda Jordão, foi o pioneiro na descoberta da notícia. Antes mesmo que qualquer outro canal de comunicação pudesse desconfiar, o jornalista Antônio Carlos Silveira dos Santos já havia feito uma visita à escola e conversado com os acusados. De posse das informações e entrevistas que havia coletado, o jornal optou por não fazer nenhuma matéria sensacionalista sobre o caso. Ao invés disso, apenas publicou uma matéria de teor técnico e burocrático sobre a acusação que havia sido feita na delegacia.

Ao contrário da postura tomada pelos outros meios, a equipe do jornal “Diário Popular” encarregada do caso – Antônio Carlos, Miranda Jordão e o editor de polícia Paulo Breitenvieser – enxergou as falhas existentes no inquérito. Primeiramente, ao mesmo tempo em que afirmava possuir fitas e fotos que incriminavam os suspeitos, o delegado Édelson alegava que não as compartilharia, pois tinha receio de que tal fato pudesse atrapalhar as investigações. Além disso, o jornal descreditava os depoimentos infantis recolhidos sem a presença de um psicólogo – cujas respostas, até, então, poderiam ter sido induzidas. Por fim, na época em que a notícia chegou  aos ouvidos da mídia, ainda não estava concluído o laudo do exame realizado pelo IML.

Munido por essas três premissas, o “Diário Popular” optou por não fazer parte do sensacionalismo prepotente e impulsivo da imprensa. Durante toda a investigação – até mesmo quando a maioria dos canais da mídia acreditavam na culpa dos acusados – o jornal permaneceu neutro e não publicou nenhuma palavra sobre o ocorrido. Devido a esse silêncio diante de toda a barbárie noticiosa, o Diário chegou a ser acusado de ter feito um acordo com os donos da Escola para manter a discrição e o silêncio. Naquele ano, o Jornal foi indicado ao Prêmio Esso de Jornalismo, por sua atuação ética e imparcial, embora não tenha ganhado.

Conversa entre Antônio Carlos e Paulo Breitenvieser sobre publicar ou não uma matéria acerca do caso Escola Base.(P.36)

Hoje, o Jornal “Diário Popular” não existe mais. O domínio foi vendido para as organizações Globo e recebeu o nome de “Diário de São Paulo”. O que fica para além desse relato é uma profunda reflexão sobre o papel da mídia da cobertura de crimes (Tema do projeto). Diante disso, uma dúvida ainda perpetua por algumas mentes: Se um canal midiático foi capaz de se abster de toda a busca pela fama e audiência em prol do jornalismo ético e verdadeiro – e possuía as mesmas condições e circunstâncias dos outros meios – por que ele foi o único?

- Para ajudar na reflexão, segue um link de uma entrevista coletiva  - realizada 15 anos após a explosão das notícias - do jornalista Valmir Salaro, repórter da Tv Globo, e, responsável pela cobertura do caso Escola Base:






“(...) Tem uma relação esquizofrênica na redação. Um avião cai: um repórter vira especialista, o outro vira promotor. Impressionante. Tem um crime: o cara vira especialista; perito em sangue. (...) É uma arrogância, uma prepotência, uma ignorância e eu sinto isso dentro das redações (...).”  
                                                                         
                                                                            Valmir Salaro, sobre caso “Escola Base”



Para a produção dessa postagem foi utilizado, além da bibliografia declarada no Plano, o conteúdo do blog:


http://salinopolitano.blogspot.com.br/2012/01/injustica-brasileira-caso-escola-base.html



3 comentários:

  1. Nessa postagem, ultrapassei um pouco o número de caracteres permitidos, pois resolvi acatar as sugestões feitas na primeira postagem e, então, apresentar o caso para o leitor.

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  2. Legal, Marina. Interessante o caso para pensar o próprio lugar do jornalismo e problematizar conceitos como parcialidade e imparcialidade.

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  3. Muito interessante mesmo a reflexão! Estou fazendo um artigo pra faculdade sobre ética em jornalismo e vou utilizar exatamente esse caso para falar sobre. Adorei a postagem! ;)

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