segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sexualidade e conflito nos muros da Pompéia antiga [Lucas Afonso Sepulveda] #3

"Imagens de órgãos genitais; relações vaginal e anal; cunilíngua; felação; masturbação; práticas individuais, em grupo ou envolvendo figuras místicas trazem o grande desafio de serem avaliadas por pesquisadores contemporâneos, que se encontram distantes, temporal e culturalmente, dos valores que foram originadas."
(FEITOSA, Lourdes M. G. Conde. Amor e sexualidade no popular pompeiano: uma análise de gênero em inscrições parietais. Campinas: Unicamp, 2002; Tese de Doutoramento)


Grafites de cunho sexual

*As fontes e exemplificações desta quinzena são alternativos à dita bibliografia principal, devido à greve da biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. A temática da postagem, no entanto, se mantém a mesma: sexualidade, erotismo e a publicidade relacionada aos prazeres do álcool e do sexo oferecidos na Pompeia antiga.


A afetividade, a sexualidade e as diferenças de gênero tinham definições próprias no momento clássico da Antiguidade. Os prazeres carnais, como visto nas inscrições pompeianas, eram presentes na vida comum popular, considerando-se o grande número de tabernas e prostíbulos. O erotismo mesclado com as interações sociais eram traduzidas em desenhos e textos inscritos nos estabelecimentos onde se vendiam álcool e sexo. Seus autores eram desde os próprios consumidores e donos dos bares, até prostitutas.

Devido à complexidade da definição de sexo, amor e sexualidade, não cabe à este Projeto responder questões relativas à tal temática. Este apenas se compromete em desmembrar um básico contexto social, que se liga às inscrições de cunho sexual registrados na Pompéia antiga.

Os pompeianos comuns, alheios à aristocracia local, geriam em seu tempo uma ativa vida boemia e cultural, ligada principalmente aos prazeres carnais, que se mostram para estes indivíduos como caminhos de evasão de uma árdua rotina de trabalho e submissão. Segundo o historiador Pedro Paulo Funari, "a cultura popular não deixa de ser caracterizada pelas contradições originadas no seio das camadas subalternas. Suas cosmovisões refletem, num só tempo, a aceitação e a recusa das condições de exploração material e espiritual no interior da sociedade (...)". A população fugia de sua realidade de obrigação e exploração, utilizado de uma criatividade erótica, em seu próprio imaginário sexual, compartilhando-o ao público. Evidencia-se, portanto, um contexto que atravessa o entendimento da sexualidade e toma forma social: a ânsia da evasão denuncia o sentimento de opressão sentido por este povo comum, ocupado com o trabalho e sem acesso aos grandes luxos da elite.

Outros conceitos trabalhados na tese de Lourdes Conde Feitosa, relacionados à pesquisa de J. N. Abrams sobre o linguajar sexual latino, esclarecem o âmbito da sexualidade feminina: "Adams (...) considera que tais inscrições podem sugerir propagandas feitas por prostitutas sobre a capacidade sexual dos seus clientes". A mulher seria apresentada numa perspectiva sexualmente ativa e, como sugere Feitosa, "o uso do verbo 'foder' é frequentemente na voz ativa - 'eu fodo', 'eu possuo', tanto para o masculino, quanto para o feminino. Isso pode ser representado em grafites onde a mulher é representada como possuidora."

Grafites publicitários escritos em tabernas

Os muros das tabernas também muito serviram como espaço publicitário, de crítica ou notificação, por parte dos clientes e proprietários. Anúncios de recompensas, reclamações sobre o serviço do bar e recomendações aos clientes: são muitos os exemplos da manifestação escrita em tais locais. Ainda assim, é possível perceber a oposição existente entre grupos menores, distintos, porém não-pertencentes à elite. Donos de casas que impunham normas para seus clientes, ao mesmo tempo que clientes que criticavam o produto servido ou o atendimento: a insatisfação acabava por ser notada, partilhada ou negada. Criava-se, então, uma esfera de discurso através dos grafites, formando um modo de comunicação popular compatilhada, conflituosa e verbalmente viva.

3 comentários:

  1. Olá, Lucas. Bem interessante essas inscrições. Mas continuo sem entender bem a natureza dessas imagens que a gente vê - escritas em português e em fundo negro. Por que foram traduzidas, por quem? Fico sentindo falta de ver a materialidade das tabernas, a parede, a rua... No mais, você está indo bem.
    Abraço!

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  2. É impressão minha ou sua postagem ultrapassou o limite de caracteres?

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  3. Olá Cristiane,

    O limite de caracteres foi sim ultrapassado. Tomarei maior precaução nas seguintes postagens.

    As inscrições vieram agrupadas, sendo que não houve uma contextualização individual para cada exemplo. Isso se deve à fatores externos que me impediram de seguir a bibliografia principal, como a greve dos servidores nas bibliotecas da UFMG, a falta de cópias destes livros nas bibliotecas públicas e até nas livrarias e distribuidoras, nas quais ainda tento contactar o estoque. Sendo assim, não me senti possuidor de grande critério para poder analisar tais exemplificações, me redimindo apenas a a exemplificar um contexto geral, que englobasse todos estes exemplos, de acordo com uma nova bibliografia limitada. Os grafites da primeira imagem, exceto o de código III 8896, foram retirados da tradução encontrada na tese de Feitosa, e os da segunda imagem foram de tradução livre feita por mim, com o meu comprometimento. A recusa de imagens das próprias paredes e o uso apenas representações de texto e desenhos foi uma própria escolha, pois penso que a bruta materialidade e o contato direto com esta fonte impede uma aproximação alternativa desta realidade, e optei seguir neste projeto uma corrente de desenvolvimento que evitasse o óbvio. No entanto, compreendo a necessidade que o leitor teria de obter uma maior aproximação do assunto em si e procurarei trazer um mais desta realidade bruta e material nas próximas postagens.

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