sexta-feira, 22 de junho de 2012

O Discreto Charme da Burguesia[Nina Goulart]#5



O Discreto Charme da Burguesia, de 1972, foi o primeiro filme de Luis Buñuel a que assisti, reponsável por despertar o meu interesse na obra do autor. Em sua biografia (Mon Dernier Soupir, Meu Último Suspiro, 1982) o diretor fala sobre a idéia do filme e o desafio de desenvolvê-la sem deixar que seu tom de absurdo prevalecesse sobre a verossimilhança. Isso se deve ao fato de que o enredo trata, basicamente, de um grupo de amigos da alta sociedade - burgueses - que tenta se reunir para compartilhar uma refeição e, um escopo aparentemente simples que pelas mais inusitados razões não consegue ser efetivado. Uma interessante estratégia usada para tornar surrealismo inerente aos imprevistos mais assimilável é a utilização de simulacros oníricos justificados como sonhos propriamente ditos - o ápice da perplexidade de vários dos acontecimentos é seguido pelo despertar de alguma personagens, proporcionando certo alívio ao espectador, conduzindo a trama uma lógica mais tradicional. Isso torna o filme mais 'digerível' e acessível ao público, mas sem interferir em seu caráter crítico e inovador, conjunto de fatores que provavelmente possibilitaram a Buñuel duas indicações ao Oscar no ano de 1973, nas categorias de Melhor Roteiro Original - que contou com a colaboração de Jean-Claude Carrière - e Melhor Filme Estrangeiro. Numa passagem mais ousada é utilizada uma passagem em que há sonho dentro de sonho.



Como sugere a ironia do título, absolutamente preciso e adequado, o filme retrata a frivolidade e a ausência de sentido da vida dos personagens, crítica que se estende à toda a sociedade burguesa.
A trama é permeada por uma série de referências críticas e sarcásticas às intituições sociais e à moral burguesa-cristã inerente a elas, a Igreja, na figura do padre que abençoa hipocritamente o moribundo e em seguida vinga o assassinato dos pais, as interferências desconfortáveis dos militares, a relação dos homens poderosos da alta sociedade com o tráfico de drogas, a diplomacia dissumulada e a iminência do terrorismo, o casamento e o adultério.
Além do aspecto crítico politico-social, considero interessante pontuar a caracteristica aflitiva que marca a obra do cineasta. A mesma constante sensação de frustração dos filmes anteriormente analisados é identificada, de um modo geral, na incapacidade de consumir a refeição, remetendo à referida incapacidade de consumar compartilhada pelos personagens.
Após assistir a outros filmes do diretor, rever a presente obra me proporcionou uma experiência diferente - devo confessar que ver os burgueses sob o viés da impotência e da frustração me incutiu uma boa dose de condescêndencia. Assim, a primeira impressão de crítica a algo exterior, a uma sociedade e um sistema de produção foi sobreposta por uma incômoda sensação de solidariedade em relação aos burgueses, que com suas futilidades e vícios representam apenas aspectos desagradáveis porém inerentes à condição humana.

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