segunda-feira, 11 de junho de 2012

Severo passou por aqui: o grafite intervencionado nos muros da Pompéia antiga [Lucas Afonso Sepulveda] #4

"Estamos tão acostumados com paredes pichadas, aqui e ali, que quando se fala em grafites na Pompéia parece se tratar da mesma coisa. No entanto, há uma diferença fundamental: a frequência e a intensidade do grafitismo antigo. (...) De fato, as paredes de Pompéia testemunham a ocupação pelos grafiteiros de todos os espaços disponíveis: ali encontramos cerca de uma inscrição por adulto, homens e mulheres, livres e escravos, feitas nos últimos momentos da cidade, o que significa dez mil inscrições."
(FUNARI, P. Paulo. A vida quotidiana na Roma Antiga. Editora Annablume, 2003)

Grafite intervencionado de Severo (tradução por mim feita)

Os muros da Pompéia antiga serviam de espaço público para a comunicação popular. É errôneo, todavia, interpretar a grande massa alheia à elite como homogênea, pertencente a um só posicionamento ou sem divergências em si. O povo comum, na verdade, era cercado pelo conflito de suas relações, de seu papel social, de sua profissão; de sua devoção aos deuses, aos prazeres carnais e ao império; de suas faculdades mentais ou habilidades com a língua escrita; enfim, muitos eram os agentes que agregavam e segregavam homens pelas suas semelhanças ou diferenças. Não diferente da vida quotidiana, os embates sociais refletiram em um grande número de grafites desta civilização morta.

Sucesso (Successus), Severo (Severus) e Híris (Iris) são os personagens de um grafite intervencionado. Seus nomes provavelmente não condizem com os de seus verdadeiros autores, afinal, grande parte das inscrições pompeianas são anônimas ou assinadas por falsos e fictícios nomes. Severo, o discursante primário do grafite de temática amorosa, escreve em tom de denúncia e ataque ao dito rival. A expectativa de uma resposta é notada na exposição de Severo, sendo que está é atingida quando ele obtém uma intervenção secundária de Sucesso, onde se rebate a mensagem original com um novo questionamento, um novo afronte ao inimigo pelo amor da moça Híris. Finalmente, o próprio autor da intervenção finaliza em um terceiro momento, fechando o diálogo, que mesmo assim, ainda poderia se prolongar com novos intermédios, de até personagens não se incluem ao conflito.

Segundo Paulo Funari, "outra característica marcante do grafite reside na inevitabilidade da leitura pública das mensagens. Assim, uma declaração aberta exige, muitas vezes, uma resposta também pública". Toma-se como conclusão, portanto, que a qualidade de público dá ao grafite e sua mensagem inúmeras possibilidades de intervenções e adaptações, que, por sua vez, podem agregar novos sentidos à uma primeira intenção de um criador. Fatores como a legalidade e facilidade instrumental do grafitismo pompeiano, puderam alimentar uma cultura urbana de diálogos públicos, em uma vastidão de inscritos e conteúdos.

2 comentários:

  1. Oi, Lucas, muito bem. O texto está claro e bem formatado. Li seu comentário ao post anterior e compreendo as suas escolhas. Eu continuo sentindo falta de ver o grafite mesmo, mas dou-me por satisfeita em ler as traduções (que ao menos são compreensíveis para mim!). Falei pra você do trabalho da Milene Migliano, acerca do grafite em BH, não falei? Ela vai cunhar a expressão "diálogos públicos" para se referir aos grafites da pesquisa dela. E é o mesmo fenômeono: alguém escreve, depois alguém vai e escreve por cima, responde, comenta... Estou achando isso muito curioso! Bom trabalho! (Acho que teria sido por explicar o que você chama de "intervencionado") - para facilitar para o leitor. Abraço!

    ResponderExcluir